reflexões sobre o livro "lady killers"

imagem por @vintagraphproductions
Mulheres matam: eis um fato que a sociedade parece ter dificuldade em aceitar. Quando se trata de serial killers, isso fica ainda mais evidente. A disparidade entre o tratamento dos assassinos em série pela mídia é notável: enquanto homens recebem grande notoriedade e têm seus nomes perpetuados pelas manchetes (como exemplo, podemos citar Ted Bundy, personagem principal de uma série de produções - incluindo um filme  onde Zac Efron interpreta o assassino); as mulheres recebem apelidos vagos ("a assassina de fulano") e caem no esquecimento após certo período de tempo. 

Aqui, estamos falando especificamente de assassinas em série. Alguns assassinatos cometidos por mulheres tem notoriedade na mídia à longo prazo, mesmo que essa cobertura seja permeada de estereótipos. Mas, por hora, não vamos entrar nesse assunto. 

Lady Killers foi publicado com a proposta de mudar esse cenário ao jogar luz sobre catorze casos relacionados a ação de assassinas em série: mulheres que mataram repetidas vezes, com modus operandi e assinatura definidos. Ao abordar assassinatos ocorridos em diversas décadas (Alice Kyteler, uma das mulheres listadas no livro, nasceu em 1263), Tori Telfer mostra que assassinas em série existiam e continuam a existir independente da forma como a sociedade reage a seus crimes. Mas seria isso suficiente para livrar essas mulheres dos estigmas e evidenciar a necessidade de se dar atenção a esses casos?

Livro: Lady Killers: Assassinas em Série
Escritora: Tori Telfer
Publicação: Esse livro foi publicado pela Darkside Books

Sinopse: Quando pensamos em assassinos em série, pensamos em homens. Mais precisamente, em homens matando mulheres inocentes, vítimas de um apetite atroz por sangue e uma vontade irrefreável de carnificina. As mulheres podem ser tão letais quanto os homens e deixar um rastro de corpos por onde passam — então o que acontece quando as pessoas são confrontadas com uma assassina em série? [...] Lady Killers: Assassinas em Série é um dossiê de histórias sobre assassinas em série e seus crimes ao longo dos últimos séculos [...]. Por que continuamos lembrando apenas de H.H. Holmes quando Kate Bender recebia viajantes em sua hospedaria (e assassinava todos que ousavam flertar com ela)? A linha que divide o bem e o mal atravessa o coração de todo ser humano.

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Tori começa o livro com um discurso muito bem elaborado acerca da representação simbólica das mulheres assassinas - elas eram retratadas como bruxas cruéis, sedutoras irresistíveis ou como a pura encarnação do mal - e aponta a necessidade de tratarmos esses eventos para além dessas fantasias. Mulheres matam e podem matar mais de uma vez. De fato, elas podem ser tão ou até mais cruéis do que os homens. Quantas assassinas não escaparam da justiça por não se encaixarem no padrão de criminoso que a polícia procura? Quantas vidas poderiam ter sido salvas se nos livrássemos desse estigma? Essa foi minha parte preferida do livro porque, de fato, faz sentido. Os tabus da sociedade frequentemente limitam a liberdade das mulheres e nos colocam à mercê da violência de gênero, mas quantas mulheres não conseguiram se esconder atrás dessa "cortina de fumaça" para praticar seus crimes sem serem capturadas? 

Cabe ressaltar: não estou dizendo que todas as mulheres utilizam esses tabus a seu favor para cometer crimes ou se safar de situações desfavoráveis. Na prática, a maioria das mulheres sofre violência doméstica, agressão sexual e mais um monte de violências em função dos estigmas associados ao gênero. Entretanto, não podemos negar que, em menor escala e em alguma medida, é muito provável que mulheres tenham conseguido se safar de crimes apenas por serem julgadas fracas demais para cometê-los.

Deu para entender, né? Não estou dizendo que subjugar mulheres é uma coisa boa. Por favor, não coloque palavras na minha boca - ou no meu teclado. Não faça isso. EU IMPLORO. Se você entendeu que eu disse que a opressão feminina é um benefício, volta os parágrafos e lê outra vez! Não tire a minha fala de contexto!

Entretanto, a crítica de Tori para por aí. Ela parece ter se esquecido de seu próprio discurso ao adicionar detalhes estigmatizantes e boatos em todos os casos. O capítulo que melhor retrata esse aspecto diz respeito aos crimes cometidos por Kate Bender e sua família. Em função do tempo que se passou entre os assassinatos e a descoberta deles e da ausência de uma confissão (já que nenhum membro da família chegou a ser preso), não há como saber exatamente como os crimes foram executados.  Mesmo assim, Tori baseia todo o texto nas fofocas da época, afirmando que Kate seduzia as vítimas, as matava com golpes na cabeça ou cortes no pescoço e as multilava durante "ataques de fúria". Ao ignorar a ação dos outros membros da família, bem como demonizar e sexualizar a assassina (colocando-a no papel de "sedutora irresistível"), a autora perpétua os maus hábitos outrora criticados por ela mesma.
 
Entendo perfeitamente que os arquivos que documentam essas histórias provavelmente estão contaminados com a visão fantasiosa da época em que foram produzidos, mas Tori não deixa isso claro na narrativa. Pelo contrário, ela reproduz esse discurso como se fosse uma "verdade quase absoluta". Claro, ela coloca um ou outro questionamento - "será que isso não está exagerado demais?" - mas a linguagem informal e o contraste entre a quantidade de críticas (pontuais) e a quantidade de alegações fantasiosas sobre os crimes cometidos (o resto) suprimem essas críticas.

Concluo que Lady Killers é um best-seller por falta de opção. Como existem poucos livros acessíveis a respeito de crimes cometidos por mulheres - principalmente se levarmos em consideração a abundância de material a respeito dos serial killers homens - esse material acaba por se tornar "o caminho mais fácil".

Por mais que eu não tenha gostado da forma como as mulheres e seus crimes são apresentados na narrativa, achei a leitura válida. Procurar conteúdos sobre assassinas em série é uma tarefa difícil - não porque os dados não estejam disponíveis, mas porque raramente temos um norte. Sem um nome, um caso específico pelo qual buscar, acabamos sempre nos deparando com os mesmos 2 ou 3 resultados. E é por isso que acredito que a maior contribuição dessa edição publicada pela Darkside se concentra na Galeria Letal (+14 damas). Esse apêndice exclusivo foi elaborado pelo blog O Aprendiz Verde e contém assassinas em série contemporâneas (cujo modus operandi vai além do envenenamento por arsênico) e casos que ocorreram na América do Sul, ausentes na documentação elaborada por Tori.

Caso vocês queiram buscar mais informações sobre as 14 mulheres apresentadas por Tori, deixo aqui uma lista com os nomes, anos de nascimento e de morte e os locais de atuação de cada uma delas. Aproveito para recomendar o vídeo "Elizabeth Báthory, a condessa sangrenta", do Nerdologia Criminosos, que responsavelmente possui uma lista de referências que você pode consultar aqui e os episódios do podcast Boo e Outras Coisas que, apesar de serem baseados no livro, não apresentam tantos julgamentos de valor na narrativa.

  • Elizabeth Báthory (1560-1614, Hungria)
  • Nannie Doss (1905-1965, Estados Unidos)
  • Lizzie Halliday (1959-1918, Estados Unidos)
  • Elizabeth Ridgeway (indefinido-1684, Inglaterra)
  • Raya e Sakina (indefinido-1921, Egito)
  • Mary Ann Cotton (1832-1873, Inglaterra)
  • Darya Nikolayevna Saltykova (1730-1801, Rússia)
  • Anna Marie Hahn (1906-1938, Estados Unidos)
  • Oum-el-Hassen (1890-indefinido, Argélia)
  • Tillie Klimek (1876-1936, Estados Unidos)
  • Alice Kyteler (1263-1325, Irlanda)
  • Kate Bender (indefinido - os crimes ocorreram após 1870, Estados Unidos)
  • Criadoras de Anjos de Nagyrév (1914-1926, Hungria)
  • Marie-Madeleine (1630-1676, França)

Se você já leu Lady Killers, comenta aqui embaixo o que você achou do livro. Estou ansiosa para discutir sobre isso porque a maioria das resenhas que li tinham avaliações muito positivas. E se você gosta de true crime, junte-se ao clube (!) porque pretendo postar mais resenhas de livros dentro desse tema.

Comentários

  1. Oizinho! Nossa, eu era louca para ler Lady Killers, mas essa resenha me deu uma broxadinha, HAHAH. Complicado quando a própria autora se contradiz assim, né? Mas enfim, provavelmente vou dar uma chance qualquer dia porque, como você disse, é um material bem acessível e tal, mas claro que seria bacana termos mais materiais assim!

    Eu amo true crime, e se você pretende postar mais sobre isso, por favor VAMOS SER AMIGAS. Vou favoritar teu blog aqui!

    Beijinhos
    Affluentia | Masha Alkhim

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  2. Eu ameeei! Faz meses que tô babando nesse livro, quero muito ler, mas não sei porque continuo adiando a leitura dele, talvez eu saiba que ele não é tudo isso, mas vai saber né? Ainda pretendo ler, porque é interessante a ideia geral dele.

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  3. Desde que eu vi a galera falando sobre esse livro, senti que queria muito ler. Mas deixei de lado por algum motivo. Acho que agora a vontade voltou, rs. Aliás a Tori está para lançar outro livro agora, né?! Eu não lembro bem do que se trata, mas atinha algo com o feminino também.

    Beijos!

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  4. Eu nunca tinha parado para pensar que poucas histórias de assassinatos envolvem mulheres! Reais ou não. Mas principalmente reais. E, parando para pensar, as serial killers femininas são mesmo "melhores", pelo simples fato de serem consideradas frágeis e superestimadas. que mal pode fazer uma mulher bonita? Elas seduzem, manipulam e se safam com muito mais facilidade, por causa dos estereótipos sociais! Vou comprar esse livro e lê-lo, é questão de necessidade hahahahaha
    Abraços!

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  5. Ai menine, comecei a ler seu texto toda empolgada e aí broxei. Achei muito broxante pensar que um livro que começa com uma proposta e reflexão bacanésimos acaba caindo na mesmice - e aí me lembrei de uma amiga ter comentado comigo que apesar da diagramação incrível, a Darkside tem uns títulos bem fracos no meio, e pensei: pois é, parece que é isso mesmo, HAHAHAHA!
    Gostei das outras dicas que você deu, no entanto, vou dar uma olhada! E caso te interesse, recomendo um livro chamado
    "Retrato de um Assassino - Jack, o Estripador: Caso encerrado", da Patricia Cornwell. Li na faculdade por recomendação da minha supervisora na época, mas é basicamente uma investigação que levaria a suposta identidade do Jack Estripador. A investigação dela é séria, mas acho que fica a critério de quem lê acreditar ou não. É um misto de diário de bordo, investigação criminal e explicação didática de questões sobre crimes sexuais e psicopatas. Não sei se pra alguém fora da área é igualmente interessante, mas pelo que tenho visto no seu blog, você parece curtir umas leituras mais... hm, dark, como eu? Hahaha!

    Respondendo seu comentário: menine, tem um server de blogueires que o Victor do Esfera Fantasma organizou no discord, pra gente combinar partidas em vários jogos (e também pra se enturmar e papear, pq não né). Se você estiver precisando de migues pra jogar, vem com a gente, não passe vontade não <3 E obrigada pelos parabéns e pelos comentários, sempre fico feliz de ler!

    beijinhos pra você! :*

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